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mimosa

​

as caipirinhas cor de jambo de Fagundes Varela

Uma das caipirinhas cor de jambo de Fagundes Varela é cabocla e roceira de 16 aninhos e chama-se Mimosa.

Mimosa. – Poema da Roça é um poema de Fagundes Varella em Cantos Meridionaes de 1869.

O poema é composto de três cantos. O Canto Primeiro está dividido em Introdução, Narração, Parenthesis e Continuação.

 

Canto Primeiro – Narração

O narrador de 20 anos, Marcos Marques, “cansado das lidas deste mundo”, a cavalo e sem rumo parte, no “mês dos risos”. O viandante para nas estradas, fuma, sonha e avista Francisca (o povo, entretanto, a chama de Mimosa):

​

Foi quando vi Mimosa a vez primeira,

Beija-flor do deserto, agreste rosa,

Gentil como a Dalila da Escritura,

Mais ingênua, porém, mais amorosa...

 

Mimosa estava em pé sobre a soleira de uma mesquinha venda e fumava um cigarrinho branco. O narrador, mesmerizado, compara Mimosa a uma fada do Oriente, uma visão do ópio entre neblinas, e a descreve com delicadeza e muita graça:

​

A saia de ramagens caprichosas

Caía-lhe em prodígios da cintura,

Entre os bordados da infiel camisa

Tremiam dois delírios de escultura.

 

Depois em tamanquinhos amarelos

Pés de princesa, pés diminutivos,

Cútis morena revelando à vista,

Do pêssego e do jambo os tons lascivos.

 

Eis Mimosa! Seu corpo trescalava

O quente e vivo aroma da alfazema,

Perfume de cabocla e de roceira,

Porém que para mim vale um poema!

​

 

Narração

 

Gastei meu génio, desfolhei sem pena

A flôr da mocidade entre os enganos,

E, cansado das lidas deste mundo,

Procurei o deserto aos vinte annos.

 

A cavallo, sem rumo, o olhar tristonho,

Na bocca o saibo de fatal veneno,

Percorria as campinas e as montanhas

Da bella terra de Amador Bueno.

 

Era no mez de agosto, o mez dos risos,

Das doces queixas, das canções sentidas,

Quando no céo azul, ermo de nuvens,

Passam as andorinhas foragidas.

 

Quando voltam do exilio as garças brancas,

Quando as manhãs são ledas e sem brumas,

Quando sobre a corrente dos ribeiros

Pende o cannaveal as alvas plumas.

 

Quando pairam no mato os periquitos,

Quando corre o tatú pelas roçadas,

Quando chilra a cigarra nos fraguedos

E geme a jurity nas assomadas.

 

Quando os lagartos dormem no caminho,

Quando os macacos pulam nas palmeiras,

Quando se casa o grito da araponga

Á triste e surda voz das cachoeiras.

 

Então que de poemas nas florestas!

Que de sonhos de amor pelas choupanas!

Que de selvagens, mysticos rumores

Dos lagos pelas verdes espadanas!

 

Um brando véo de languidez divina

Paira sobro a cabeça dos viventes,

Vergam-so as maravilhas sobre as hastes,

Refrescam-se os cipós sobre as torrentes.

 

Quedam-se as borboletas nos pomares,

Gemem os sabiás pelos outeiros,

Chamam-se enamorados os canarios,

E os fulvos bem-te-vis nos ingázeiros.

 

O lavrador recolhe-se á palhoça,

Reclina-se na esteira e se espreguiça,

E entre os folguedos da bemdita prole

Se entrega ao doce vicio da preguiça.

 

O viandante pára nas estradas,

Abre os alforges, e do mato á sombra,

Depois de cheio e farto, fuma e sonha

Da molle grama na macia alfombra.

 

A natureza inteira ama e soluça,

Ébria de aphrodisiacos perfumes,

E a mente solitaria do poeta

Se abrasa em chammas de insensatos lumes.

 

Foi quando vi Mimosa a vez primeira,

Beija-flôr do deserto, agreste rosa,

Gentil como a Dalila da Escriptura,

Mais ingénua, porem, mais amorosa...

 

Punha-se o sol, as sombras somnolentas

Mansamente nos valles se alongavam,

Bebiam na taberna os arrieiros

E as bestas na poeira se espojavam.

 

O fogo ardia vivido e brilhante

No vasto rancho ao lado do giráo,

Onde os tropeiros sobre fulvos couros

Entregavam-se ao culto do pacáo.

 

A caxaça alegrava os olhos todos,

As cuias de café se repetiam,

E as fátuas baforadas dos cachimbos

Nos caibros fumarentos se perdiam

 

A viola soava alegremente...

Que meigas notas! Que tanger dorido!

Vida de sonhos, drama de aventuras,

Não, vós não morrereis no mar do olvido!

 

Mimosa estava em pé sobre a soleira

Da exigua entrada da mesquinha venda,

Saudosa, como á sombra do passado

Um typo de ballada ou de legenda.

 

Saudosa, sim, cercada do prestigio

Dessa belleza vaga, indefinivel,

Cuja expressão completa em vão procura

O pobre pensador sobre o visivel!

 

Que faz lembrar o que existio, é certo,

Porém aonde e quando? Que tortura

A memoria impotente e em vez de um facto

Mostra ao poeta o abysmo da loucura!

 

Indeciso clarão de uma outra vida!

Fugitivo ondular, dobra ligeira

Do manto do ideal estremecendo

Entre bulcões de fumo e de poeira!

 

Raio de Deus na face da materia!

Frouxo luzir do sol da poesia!

Eu vos contemplarei a pura essencia?

Eu poderei gozar-vos algum dia?

 

Nada de digressões. Minha heroina

Fumava um cigarrinho branco, leve,

Delgado como um brinco de creança,

Como um torrão de assucar ou de neve.

 

E o vapor azulado lhe vendava

De quando em quando as faces peregrinas.

Parecia uma fada do Oriente,

Uma visão do opio entre neblinas.

 

A saia de ramagens caprichosas

Cahia-lhe em prodigios da cintura,

Entre os bordados da infiel camisa

Tremião dous delírios de esculptura.

 

Sobre a direita a perna esquerda curva.

Capaz de enlouquecer Phidias — o mestre,

Dava um encanto singular ao vulto,

Daquella altiva perfeição campestre.

 

Depois em tamanquinhos amarellos

Pés de princeza, pés diminutivos,

Cutis morena revelando á vista

Do pêcego e do jambo os tons lascivos.

 

Olhos ebrios de fogo, vida e goso,

Sombrias palpitantes mariposas,

Cabellos negros, bastos, ennastrados

De roixos manacás e rubras rosas.

 

Eis Mimosa! Seu corpo tresca'ava

O quente e vivo aroma da alfazema,

Perfume de cabocla e de roceira,

Porem que para mim vale um poema!

​

 

Narração (português moderno)

 

Gastei meu gênio, desfolhei sem pena

A flor da mocidade entre os enganos,

E, cansado das lidas deste mundo,

Procurei o deserto aos vinte anos.

 

A cavalo, sem rumo, o olhar tristonho,

Na boca o saibo de fatal veneno,

Percorria as campinas e as montanhas

Da bela terra de Amador Bueno.

 

Era no mês de agosto, o mês dos risos,

Das doces queixas, das canções sentidas,

Quando no céu azul, ermo de nuvens,

Passam as andorinhas foragidas.

 

Quando voltam do exílio as garças brancas,

Quando as manhãs são ledas e sem brumas,

Quando sobre a corrente dos ribeiros

Pende o canavial as alvas plumas.

 

Quando palram no mato os periquitos,

Quando corre o tatu pelas roçadas,

Quando chilra a cigarra nos fraguedos

E geme a juriti nas assomadas.

 

Quando os lagartos dormem no caminho,

Quando os macacos pulam nas palmeiras,

Quando se casa o grito da araponga

À triste e surda voz das cachoeiras.

 

Então que de poemas nas florestas!

Que de sonhos de amor pelas choupanas!

Que de selvagens, místicos rumores

Dos lagos pelas verdes espadanas!

 

Um brando véu da languidez divina

Paira sobre a cabeça dos viventes,

Vergam-se as maravilhas sobre as hastes,

Refrescam-se os cipós sobre as torrentes.

 

Quedam-se as borboletas nos pomares,

Gemem os sabiás pelos outeiros,

Chamam-se enamorados os canários,

E os fulvos bem-te-vis nos ingazeiros.

 

O lavrador recolhe-se à palhoça,

Reclina-se na esteira e se espreguiça,

E entre os folguedos da bendita prole

Se entrega ao doce vício da preguiça.

 

O viandante para nas estradas,

Abre os alforjes, e do mato à sombra,

Depois de cheio e farto, fuma e sonha

Da mole grama da macia alfombra.

 

A natureza inteira ama e soluça,

Ébria de afrodisíacos perfumes,

E a mente solitária do poeta

Se abrasa em chamas de insensatos lumes.

 

Foi quando vi Mimosa a vez primeira,

Beija-flor do deserto, agreste rosa,

Gentil como a Dalila da Escritura,

Mais ingênua, porém, mais amorosa...

 

Punha-se o sol; as sombras sonolentas

Mansamente nos vales se alongavam,

Bebiam na taberna os arrieiros

E as bestas na poeira se espojavam.

 

O fogo ardia vívido e brilhante

No vasto rancho ao lado do jirau,

Onde os tropeiros sobre fulvos couros

Entregavam-se ao culto do pacau.

 

A cachaça alegrava os olhos todos,

As cuias de café se repetiam,

E as fátuas baforadas dos cachimbos

Nos caibros fumarentos se perdiam.

 

A viola soava alegremente...

Que meigas notas! Que tanger dorido!

Vida de sonhos, drama de aventuras,

Não, vós não morrereis no mar do olvido!

 

Mimosa estava em pé sobre a soleira

Da exígua entrada da mesquinha venda,

Saudosa, como à sombra do passado

Um tipo de balada ou de legenda.

 

Saudosa, sim, cercada do prestígio

Dessa beleza vaga, indefinível,

Cuja expressão completa em vão procura

O pobre pensador sobre o visível!

 

Que faz lembrar o que existiu, é certo,

Porém aonde e quando? Que tortura

A memória impotente e em vez de um fato

Mostra ao poeta o abismo da loucura!

 

Indeciso clarão de uma outra vida!

Fugitivo ondular, dobra ligeira

Do manto do ideal estremecendo

Entre bulcões de fumo e de poeira!

 

Raio de Deus na face da matéria!

Frouxo luzir do sol da poesia!

Eu vos contemplarei a pura essência?

Eu poderei gozar-vos algum dia?

 

Nada de digressões. Minha heroína

Fumava um cigarrinho branco, leve,

Delgado como um brinco de criança,

Como um torrão de açúcar ou de neve.

 

E o vapor azulado lhe vendava

De quando em quando as faces peregrinas...

Parecia uma fada do Oriente,

Uma visão do ópio entre neblinas.

 

A saia de ramagens caprichosas

Caía-lhe em prodígios da cintura,

Entre os bordados da infiel camisa

Tremiam dois delírios de escultura.

 

Sobre a direita a perna esquerda curva,

Capaz de enlouquecer Fídias – o mestre,

Dava um encanto singular ao vulto

Daquela altiva perfeição campestre.

 

Depois em tamanquinhos amarelos

Pés de princesa, pés diminutivos,

Cútis morena revelando à vista,

Do pêssego e do jambo os tons lascivos.

 

Olhos ébrios de fogo, vida e gozo,

Sombrias palpitantes mariposas,

Cabelos negros, bastos, enastrados

De roxos manacás e rubras rosas.

 

Eis Mimosa! Seu corpo trescalava

O quente e vivo aroma da alfazema,

Perfume de cabocla e de roceira,

Porém que para mim vale um poema!

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